STF e o julgamento das ADIs da Lei de Responsabilidade Fiscal, corte nos salários dos servidores públicos ou que pode advir de uma “jurisprudência da crise”
07/02
19:30
Artigo
*Márcio Sequeira da Silva, advogado e sócio da PPCS Advogados Associados
O Supremo Tribunal Federal (STF) pautou para julgamento no dia 27/02/2019, as Ações Declaratórias de Inconstitucionalidades (ADI) n. 2.238, 2.241, 2.250, 2.256, 2.261, 2.324 e 2.365, além das ações cíveis originárias n. 1.023 e 1.056, bem como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 24, todas questionando a constitucionalidade de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A Federação Nacional dos Servidores dos Poderes Legislativos Federal, Estaduais e do Distrito Federal (FENALE) solicitou, por meio do seu presidente José Eduardo Rangel, que o escritório PPCS Advogados Associados realizasse a análise das referidas demandas sob o enfoque dado por alguns meios de comunicação (1) de que o STF “ajudaria no reequilíbrio das contas dos Estados e Municípios”, pois, como afirmado pelo secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, “esses processos teriam potencial de dar mais espaço para reduzir despesas com pessoal”.
O julgamento destes processos, sob a ótica da crise acima referida, poderia ocasionar redução dos salários e/ou proventos dos servidores, sendo esta a preocupação da FENALE, na qualidade de representante, em todo o território Nacional, dos servidores do Poder Legislativo Federal, Estaduais e do Distrito Federal.
Atentando para o pleito em análise, temos que o art. 20, da LRF, é um dos mais atacados nas ações citadas, pois nele encontra-se a regulamentação da limitação de gastos com pessoal dos poderes e entes da Federação. Em síntese, as teses jurídicas apontam que o art. 169, da Constituição da República, que determina que “a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar” não teria estabelecido um limite por Poder, mas tão somente por esfera de governo.
Concretamente, tem-se que o STF deferiu a Medida Cautelar, julgamento ocorrido em 09/08/2007, suspendendo no parágrafo 1º, do art. 23, a expressão "quanto pela redução dos valores a eles atribuídos", e, integralmente, a eficácia do parágrafo 2º, do referido artigo.
O texto legal estava assim redigido:
Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição.
§ 1º No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos.
§ 2º É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
Como sustentáculo para o deferimento da cautelar, o relator Ministro Ayres Britto, enfatizou que, mesmo com a reforma administrativa trazida pela EC n. 19/98, que suprimiu a remissão do antigo parágrafo 2º, do art. 39, ao inciso VI, do art. 7º, ambos da Carta de 1988, ela não eliminou o Princípio da Irredutibilidade da remuneração dos servidores públicos.
Tanto que permaneceu consagrado no inciso XV, do art. 37, verbis:
XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis (...)
Sabe-se que a configuração da Corte Suprema em 2007 é diversa da que temos atualmente. Apenas como exemplo, o atual presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, assumiu no Supremo em outubro de 2009 e a relatoria atual dos referidos processos (que estavam no acervo do falecido Ministro Teori Zavascki) passou ao Ministro Alexandre de Moraes, o mais novo integrante da Corte.
Note-se que para a redução de despesas dos entes públicos, um dos alvos do novo governo é a redução dos custos com pessoal (2), colocando, novamente, os servidores como aqueles com a maior cota de sacrifício, sem buscar alternativas ou dialogando com as entidades de classe representante dos servidores públicos.
O receio que temos é que o julgamento do dia 27/02 possa criar uma “jurisprudência da crise”, algo que poderia ser transitório ou excepcional, com viés de defesa do interesse público como bem maior, mas capaz de produzir danos a longo prazo e, quiça, irreversíveis, afetando princípios constitucionais, desfecho inimaginável não fora o tempo de “crise”.
Diz-se isso, pois, foi o que ocorreu em Portugal, quando o Tribunal Constitucional daquela nação, tomou o “interesse público” como base para uma sequência de decisões (3) em desfavor dos servidores públicos, ativos, inativos e pensionistas, validando judicialmente medidas de redução remuneratória, sob argumento de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamentário.
O Tribunal Constitucional Português não se mostrou imune ao circunstancialismo político, assim como entendemos que, dificilmente, o STF seria capaz de afastar-se do consequencialísmo jurídico, que poderia culminar numa decisão pelos ditames da teoria econômica aplicada ao direito, também chamada “análise econômica do direito” (4).
Apesar de reconhecer que o país enfrenta gravíssima situação econômico-financeira, com déficit anual da ordem de R$ 563 bilhões (5), as medidas de diminuição de despesa e/ou de aumento da receita não devem passar pela imposição de sacrifícios ainda maiores e somente aos servidores públicos.
Efetivamente, temos que é complexo afirmar o resultado deste julgamento. Pode haver pedido de vista, que alargará ainda mais a espera por uma decisão definitiva, ou resultar em decisão que tanto pode ser de manutenção da cautelar deferida em 2007, mantendo inconstitucional a redução remuneratória, como pela (absurda) declaração de constitucionalidade do corte de salários ou redução de proventos de aposentadoria para todas as classes de servidores públicos.
Certo que não se pode fechar os olhos e pensar que não há risco, como fizeram os servidores portugueses que acabaram carregados pelo “tsunami” das decisões do seu Tribunal Constitucional.
Nossa orientação é que as entidades de classe dos servidores públicos manifestem-se, acompanhem o julgamento no STF, dia 27/02/2019, e defendam, no mínimo, a conversão da medida cautelar em decisão definitiva sobre Lei de Responsabilidade Fiscal, para resguardar direitos e garantias constitucionais, tal como o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
(1) Estados querem a ajuda do STF para poder reduzir os salários de servidores
(2) Problema não é número de servidores, mas salários altos, diz Temer a Bolsonaro
Pode ser reduzido o salário do servidor público? O ano 2018 e um olhar para 2019
(3) Acórdãos números: 396/2011; 353/2012; e 187/2013
(4) POSNER, Richard. in A Economia da justiça. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p. XII.
(5) O déficit público atingiu R$ 563 bilhões e não R$ 156 bilhões
*Foto: Rosinei Coutinho SCO/STF